Informativos

Fundamentos e Teste de Balanceamento do Legítimo Interesse

Fundamentos e Teste de Balanceamento do Legítimo Interesse

O princípio do legítimo interesse, consagrado na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018), representa uma das bases legais essenciais para o tratamento de dados pessoais no Brasil.

Este princípio permite que dados pessoais sejam processados sem o consentimento explícito do titular, visto que seja para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiros, uma vez que esses interesses não se sobreponham aos direitos fundamentais e liberdades individuais dos titulares.

Neste artigo, exploraremos como o princípio do legítimo interesse pode ser aplicado de forma ética e legal, com foco em um exemplo prático envolvendo a utilização de dados de estudantes em um ambiente educacional, e também, analisaremos a importância de um teste de balanceamento para verificar a proporcionalidade do tratamento de dados e como as organizações podem adotar práticas transparentes e responsáveis para assegurar a conformidade com a LGPD.

O legítimo interesse é uma hipótese legal estabelecida no artigo 7º, inciso IX, da LGPD (Lei nº 13.709/2018), que permite o tratamento de dados pessoais quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiros, desde que esses interesses e objetivos não violem os direitos e liberdades fundamentais do titular que exigem a proteção dos dados pessoais.

Assim, é essencial que sua aplicação seja precedida de uma análise criteriosa e bem fundamentada para cada situação específica. Esse cuidado é necessário para avaliar se o tratamento de dados, com base no legítimo interesse do controlador ou de terceiros, está em conformidade com os requisitos legais e se, no caso concreto, os direitos e liberdades fundamentais dos titulares são respeitados.

Para facilitar o entendimento, apresentaremos um exemplo relacionado aos dados de crianças e adolescentes e à rede Wi-Fi de uma escola:

Caso: Uma escola coleta dados pessoais de estudantes quando estes acessam a rede “wi-fi” disponibilizada no local. A coleta dos dados pessoais é efe- 12 guia anpd · Hipóteses legais de tratamento de dados pessoais | Legítimo Interesse tuada com a finalidade de viabilizar o acesso à rede e de garantir a segurança das crianças e adolescentes no ambiente digital. A escola avalia se seria necessário obter o consentimento dos responsáveis legais ou se seria possível utilizar outra hipótese legal, como o legítimo interesse. [1]
Análise: Em análise preliminar, há indícios de que a coleta dos dados pessoais mencionada no exemplo pode ser efetuada com base no legítimo interesse do controlador – no caso, a própria escola, que possui uma relação prévia e direta com os seus estudantes. Além disso, a coleta se justifica visando à segurança dos titulares e à adequada autenticação na rede da escola, de forma a impedir o acesso indevido a determinado conteúdo ou a identificar uma criança que acessou determinada página em horário específico. Para confirmar a adequação da hipótese legal do legítimo interesse ao caso concreto descrito, é necessário avaliar se prevalecem, no caso concreto, o melhor interesse e os direitos fundamentais dos titulares crianças e adolescentes. Para tanto, deve ser realizado um teste de balanceamento, conforme as orientações apresentadas neste Guia. [2]

Como já mencionado anteriormente, o tratamento de dados com base no legítimo interesse precisa ser precedido por um teste de balanceamento que considere, de um lado, os interesses do controlador ou de terceiros, e de outro, os direitos e liberdades fundamentais dos titulares.

Esse teste avalia a proporcionalidade do tratamento de dados, levando em conta o contexto e as circunstâncias específicas, bem como os impactos e riscos para os direitos dos titulares.

Cada finalidade específica deve passar por essa ponderação, que examina a legitimidade do interesse, a necessidade do tratamento, os impactos sobre os direitos dos titulares e suas expectativas legítimas comparadas aos interesses envolvidos.

Portanto, se os dados pessoais forem usados para outra finalidade legítima, o controlador deve reavaliar a base legal adequada para esse novo tratamento, ou se optar pelo legítimo interesse, é recomendado elaborar um novo teste de balanceamento.

O tratamento de dados não deve ser baseado no legítimo interesse se o teste de balanceamento indicar que os direitos e liberdades fundamentais dos titulares prevalecem.

O artigo 10 da LGPD elenca vários elementos que devem ser considerados para a utilização do legítimo interesse, fornecendo um guia prático para essa hipótese legal.

Realizar o teste de balanceamento envolve avaliar objetivamente os riscos do tratamento e seus impactos sobre os direitos fundamentais dos titulares, dessa forma, cada organização deve realizar o teste conforme o modelo sugerido pela ANPD ou outra metodologia mais adequada à sua realidade, desde que em conformidade com a LGPD.

Não existe uma abordagem única para realizar o teste de balanceamento: em algumas situações, ele pode ser breve e simples, enquanto em outras, mais detalhado e robusto, como no uso de novas tecnologias com grandes volumes de dados pessoais.

Manter o registro das operações de tratamento de dados pessoais é uma obrigação legal e uma forma de demonstrar transparência, responsabilização e prestação de contas.

O teste de balanceamento é uma prática recomendada para comprovar o enquadramento no legítimo interesse, pois trata-se de uma ferramenta essencial para demonstrar a conformidade do tratamento de dados pessoais, conforme o princípio da responsabilização e prestação de contas previsto na LGPD.

O modelo de teste recomendado pela ANPD possui três fases baseadas na LGPD:

Fase 1. Finalidade:

Nesta etapa, é essencial analisar o contexto do tratamento de dados, destacando os benefícios e objetivos pretendidos.

Primeiramente, deve-se verificar a natureza dos dados pessoais, pois o legítimo interesse não se aplica a dados sensíveis, certamente, caso envolva dados de crianças e adolescentes, medidas apropriadas devem ser adotadas para garantir o melhor interesse delas.

É imprescindível identificar e descrever o interesse que justifica o tratamento, seja do controlador ou de terceiros, avaliando sua legitimidade, compatibilidade com o ordenamento jurídico, base em situações concretas e vinculação a finalidades legítimas, específicas e explícitas.

Fase 2. Necessidade:

A segunda fase, baseada no art. 7º, IX, e no art. 10, §1º, da LGPD, exige que apenas os dados estritamente necessários para a finalidade sejam tratados.

O controlador deve determinar se o tratamento baseado no legítimo interesse é necessário para atingir os objetivos definidos anteriormente e adotar medidas de minimização do uso de dados, devendo-se privilegiar formas menos intrusivas e menos onerosas, com menores riscos ao titular.

Aqui, aplica-se o princípio da necessidade: limitar o tratamento ao mínimo necessário, garantindo que os dados sejam pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades.

É fundamental que os dados tratados sejam relevantes e estejam alinhados às expectativas do titular.

Fase 3. Balanceamento e Salvaguardas:

A terceira fase envolve ponderar os interesses do controlador ou de terceiros com os direitos e liberdades fundamentais do titular.

É necessário avaliar o potencial risco e impacto sobre os titulares, considerando os interesses e finalidades identificados nas fases anteriores e equilibrar esses riscos com as salvaguardas adotadas, sendo fundamental adotar a perspectiva do titular, assegurando que suas expectativas legítimas, direitos e liberdades fundamentais sejam respeitados.

No caso de dados de crianças ou adolescentes, o melhor interesse delas deve prevalecer.

A existência de um possível risco ou impacto negativo não impede o tratamento com base no legítimo interesse, pois a LGPD exige que os impactos sejam minimizados e considerados nas salvaguardas para garantir que os interesses que justificam o tratamento sejam compatíveis com o respeito aos direitos e liberdades do titular.

Em caso de maiores dúvidas, consulte um profissional da área ou seu advogado de confiança.

[1] https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/guia_legitimo_interesse.pdf

[2] https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/guia_legitimo_interesse.pdf

Deixe seu comentário: